sábado, 6 de junho de 2015

MARCELO GRASSMANN


Marcelo Grassmann (1925-2013)

Marcelo Grassmann, um dois mais importantes artistas brasileiros expõe a partir de 20 de agosto (com inauguração marcada para as 20 horas) gravuras e desenhos na galeria de arte do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, à Rua Jorge Tibiriçá, 5, aqui em Santos. A apresentação de Grassmann é feita por seu velho amigo e incentivador Geraldo Ferraz, com estas palavras, desde seu retiro de Ilha Verde, em Guarujá: 

– De 1944 a 1946 dedicamo-nos à crítica de arte, no “O Jornal”, no Rio de Janeiro, e foi nessa quadra, já no fim, que deparamos com Marcelo Grassmann e mais três companheiros, expondo na Cinelândia. A vinda para S. Paulo, logo depois, levaria a uma aproximação maior, a uma avaliação maior do desenhista e gravador que hoje pela primeira vez se apresenta ao público de Santos. 

Marcelo Grassmann dispensa certamente que se fale de sua gravura. Os trinta anos quase decorridos daquela data acima assinalada deram à sua vivência de artista uma continuidade ascensional como poucas se têm verificado no país. Adstrito aos temas que se desdobraram na fidelidade de sua visão adstringentemente original, entre o visionário e o fantástico, Grassamann paira acima de qualquer discussão. Ele pertence à arte maior. 

Revê-lo, então, em sua mesma configuração física, em seus gestos de amarga perquirição, olhos cansados de comtemplar as imagens que povoam sua noturnidade romântica, e que ele avalia e indaga e fusiona, é recordar como não se alterou essa individualidade, em sua evolução ao longo do tempo. A identificação se faz simplesmente e fácil, como se na véspera estivesse estado aqui, conversando, amigo, contando, ouvindo, lembrando. 

A respeito de sua exposição em Santos, Grassmann atendeu a “A Tribuna” em sua casa em Santo Amaro, SP, dizendo de sua satisfação em conviver com os santistas, na CCBEU, a convite de d. Nazareth. Foi respondendo com simplicidade às nossas perguntas, primeiramente sobre seu dia-a-dia: 

Água forte de Marcelo GRassmann
“Acordo cedo, faço café e tomo banho, leio jornal. Vou para o ateliê mexer nas coisas, trabalhar, etc. Ao meio dia assisto ao noticiário, almoço, cochilo (quando posso) e volto ao atelier. Se vem algum amigo, converso (não consigo trabalhar com gente perto). Gosto de animais e tem sempre um gato ou um cachorro à minha volta. À tarde saio um pouco para ver alguém ou alguma galeria. Volto para casa para jantar, ver TV (filmes, noticiário, documentários, sem medo de lavagem cerebral). Isto me lembra um bolsista acadêmico que não ia ao Louvre para não se influenciar... Assim, penso que aquilo que chamamos lixo cultural ou comunicação de massas ou o que quer que seja, me dá uma visão do dia-a-dia distorcida ou não. O problema é meu julgar”. 

Nesse ponto, conclui Grassmann: 

“Quanto à minha informação como artista, devo muito a Geraldo Ferraz, com quem trabalhei até 1949. No Suplemento do Diário de São Paulo, ilustrando e absorvendo seus artigos e críticas. Havia ainda o Clube dos Artistas e muitas conferências. Não sou de escrever, no máximo, de conversas. No entanto, mantive correspondência –quando passei 2 anos na Europa – com Arnaldo Pedroso d’Horta e Oswaldo Goeldi”. 


– E quanto às suas técnicas? 

“Comecei com xilogravuras, autodidaticamente, depois fiz água-forte, com Henrique Oswald, no Liceu do Rio de Janeiro, em 1949-1950. Fiz litografia com Poty, que estava aprendendo e ensinava o que aprendia. Mais tarde (1954) passei um ano só fazendo litografias em Viena. Voltando ao Brasil, depois do prêmio de viagem, parei com xilogravura e fiquei em metal e pedra”. 

– Alguém o influenciou? 

“O mundo fantástico de Kubin me fascinava. Escrevi a ele querendo conhece-lo. Recebi uma carta maravilhosa em que ele me dizia que onde houvesse um desenho seu estaríamos nos comunicando na linguagem internacional das artes. Disse também onde poderia ver coleções de desenhos seus e mandava ao seu velho amigo Goeldi suas lembranças”.

"Em 1954, tendo ganho o Prêmio de Viagem no Salão Nacional de Arte Moderna, passei algum tempo em Viena. Nosso grande Goeldi, que se correspondia regularmente com Kubin, de quem recebera conselhos e estímulo, apresentou-me ao grande artista. Não o encontrei, contudo, mas ele, de seu castelo em Zwickledt, me escreveu uma carta, que guardo devotadamente, e que, até agora inédita, é desconhecida do grande público. Devo ainda esclarecer que, nessa época, recebi influência básica de Kubin, dos expressionistas alemães, de Bosh e de Brueghel. Em 20 de agosto de 1959 morria Kubin, aos 82 anos de idade. Dois anos depois, em 1961, morria Goeldi - esses dois mestres, a quém muito devo. A carta de Kubin para mim, em alemão, devidamente traduzida, é esta: 

Estimado senhor Marcelo Grassmann: 

Em alemão há um ditado que diz: “O que Deus uniu o homem não deve separar”. Na língua internacional da arte, podemos nos comunicar, sempre que surja uma obra das minhas mãos, mesmo que sejam alguns traços. Você irá sentir minha presença. Meu corpo envelheceu. 

“Não há nada em comum entre meus rastros espalhados e o meu corpo com tão pouca saúde, vegetando e precisando de solidão etc. Muito menos com o forte cansaço que me atormenta. 

“Por tudo isso a meu ver seria melhor se procurasse esses rastros nas coleções oficiais e também no arquivo Kubin, em Hamburgo. 

“Isto é que de mais importante lhe posso dizer. “

De coração, do seu a) Alfred Kubin “Saudações ao Oswaldo Goeldi”. 

Grassmann diz que situar um artista numa tendência ou escola cabe acrítica e assim são coisas feitas a posteriori. Exemplo: “impressionismo”, nasceu depois dos quadros feitos, como todo mundo sabe. Reconhece a tônica do expressionismo em seu trabalho. 

“Dificilmente poderia dizer quantas gravuras fiz, menos ainda quantas cópias. Aqui vão alguns números: Xilogravuras – aproximadamente umas 200, com tiragens variando de 20 ou menos; Litografias – 100 e tantas com média de 6 a 8 cópias por matriz; Água forte – cento que cento e tantas variando a tiragem de prova única – 20 cópias ou 60 cópias. Restam poucas matrizes (menos de 1/3) do que fiz em metal. Das xilos, nem um décimo. E das litos, nada, pois foram apagadas depois de impressas”. 
Sem título - 1945

Sobre gravura brasileira, fala o artista: 

“Carlos Oswald, Goeldi, Lívio são a base de tudo o que se fez em gravura no Brasil. O que se ensinou depois, inclusive Friedlander no Museu de Arte Moderna do Rio são acréscimos dispensáveis e até prejudiciais onde a “cozinha da gravura floresceu e ajudou a enterrar os menos avisados. 

Segundo Marcelo Grassmann os jovens têm hoje mais oportunidade que em qualquer época: 
“Há facilidade de informação técnica e até de mercado”. E mostra-se, respondendo à nossa última pergunta inteiramente favorável à criação de um Museu da Gráfica, onde caberia também, o desenho. 

A TRIBUNA, 17 de agosto de 1975. FOLHA DE SÃO PAULO, setembro de 1976.

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